Crítica: Felicidade por um Fio – altos e baixos de um filme sobre transição capilar
Os spoilers deste texto estão escondidos, clique nos botões para revelar o texto completo caso já tenha assistido o filme. Consideramos spoilers apenas a discussão de cenas específicas, obviamante falaremos das linhas gerais do filme sem a tag de spoiler.
Muita gente viu nos últimos dias o novo lançamento da Netflix: Felicidade por um Fio.
O filme foi baseado no primeiro livro da série da autora Trisha R. Thomas chamado Nappily Ever After (um trocadilho que transformou a forma em inglês do “felizes para sempre” em “Crespos para Sempre) e fala da jornada de uma mulher em busca de si mesma e de seu cabelo natural.
Hoje, o Cabeleira em Pé conta com a colaboração da Mille – do Canal Diário de Mille – para discutir alguns pontos da história, uma crítica do filme para convidar vocês a debaterem um pouco sobre ele conosco.
Antes de mais nada, precisamos dizer que gostamos muito deste filme da Netflix e recomendamos ele em especial para quem quer passar, está passando ou já passou pela transição capilar. A história faz um bom trabalho ao retratar diversos dilemas inerentes a esse processo, criando um clima que facilita a identificação. Estes impasses não são apenas nossos: não estamos sozinhas.
A narrativa de Felicidade por um Fio é dividida em capítulos e cada título corresponde à uma fase na qual se encontra a protagonista (chamada Violet), interpretada por Sanaa Lathan - da quarta temporada de The Affair.
Mas o filme não é (nem poderia ser) perfeito, se apoiando muito em uma dicotomia que coloca o cabelo liso em oposição aos cabelos cacheados e crespos. Sabemos que a voz por trás do discurso que pavimentou essa dicotomia perfeito x imperfeito dentro do filme é real e lidamos com ela diariamente na mídia, na rua e, muitas vezes, até dentro de casa. Porém, o filme não rompe com esse padrão, ao contrário, o reforça, utilizando o discurso de auto-amor - que é muito válido, sempre - mas, nesse caso, é usado explorando essa dicotomia entre cabelo perfeito e imperfeito.
Assim, a textura do cabelo não liso aparece no filme como uma imperfeição a ser aceitada, mas a premissa é incorreta: os nossos cabelos crespos, cacheados e ondulados não são imperfeitos.
Vamos falar um pouco mais dessa história? Então, segue a leitura com a gente!
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O Big Chop: Uma crítica a Felicidade por um Fio
Muitos dos pontos polêmicos de Felicidade por um Fio, têm a ver com o Big Chop da protagonista.
Big Chop é aquele grande-corte feito para retirada dos fios alisados, o corte que abre espaço para que se possa ter a curvatura dos cabelos que passam a nascer com sua textura natural.
A cena do big chop levanta algumas críticas pois o corte é feito no susto, num ímpeto, e ainda que tenha transparecido parte da insatisfação e inquietude da personagem em relação ao seu cabelo e aparência, não é assim que gostaríamos de ver retratado esse ponto tão importante na trajetória de alguém que decidiu assumir seu cabelo natural.
Não questionamos nesta resenha crítica a possibilidade de cenas assim acontecerem na vida real, mas acreditamos que estes movimentos impulsivos devam ser exceção. Decidir assumir o cabelo natural costuma - e deveria - ser um movimento consciente, inclusive para haver menos chances de arrependimentos - como parece acontecer com a personagem em determinado momento do filme.
Quanto mais consciente for essa decisão do grande corte, mais fácil se torna a adaptação aos cabelos curtos, principalmente para mulheres que passaram a vida toda utilizando os fios em comprimentos médios e longos.
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Felicidade por um Fio: Erros e acertos ao lidar com Estereótipos
Vários arquétipos são levantados e questionados durante este filme da Netflix e podemos perceber que muitos deles giram em torno dos cabelos da Violet. A filha "perfeita" que está sempre arrumada; a profissional bem-sucedida que possui tudo "sob controle"; a esposa troféu do homem bem-sucedido; a imagem de mulher bem resolvida e desejada; etc..
Tudo no filme remete a esses estereótipos que o cabelo liso proporciona à Violet, que mais tarde será em parte questionado pela própria personagem e que também acaba levando a quem vê o filme a questionar igualmente como se enxerga e é enxergado a partir da sua própria aparência.
O filme Felicidade por um fio também brinca diversas vezes com estereótipos para falar de conceitos pré-estabelecidos.
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A figura Masculina como Arquétipo do Mentor
Outro ponto que pode perturbar é que os pontos de reflexão sobre o cabelo natural são trazidos por figuras masculinas: primeiro pelo pai, depois pelo cabeleireiro.
Não há nada de errado em ter homens dentro do movimento de aceitação e celebração do cabelo natural, é importante que eles amem seus cabelos também.
Entretanto, pelos homens não passarem pelo mesmo estigma social pós-big-chop enfrentado por mulheres de cabelos curtos, a figura masculina de mentoria no processo de transição parece irreal.
Além disso, o movimento pelos cabelos naturais surgiu entre mulheres, feito por mulheres para outras mulheres. Por esse motivo queríamos ver uma mulher levando Violet à reflexão sobre seu cabelo natural. Fortalecer esse movimento de sororidade através do filme seria incrível.
Fica reforçado nestas interações de mentoria o estereótipo já discutido na seção sobre Big Chop: de que a mulher precisa de um mentor masculino para tomar boas decisões. Por que usar esse ponto clássico da jornada do herói de Campbell (o encontro com o mentor) ao invés de usar a figura feminina de auxílio proposta na jornada da heroína descrita por Murdock? Uma mulher ajudando outra mulher... seria difícil retratar isso?
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Balanço final: Um filme por um fio
Já falamos nesta crítica de pontos altos e baixos de Felicidade por um Fio e de longe um de seus maiores méritos é aproximar essa experiência de um público maior, que pode – através da história de Violet – se identificar ou empatizar com alguém que está passando pela transição capilar.
O filme levanta questões críticas de preconceito contra a mulher no ambiente de trabalho, a pressão social e da mídia envolvida no alisamento dos cabelos cacheados e crespos, além do dilema enfrentado por algumas mulheres que vêem seu processo de autodescoberta sabotado pelo parceiro.
Mesmo com clichês e alguns escorregões, Felicidade por um Fio traz uma mulher careca e linda protagonizando um filme! Mostra Violet trocando o alisamento por cuidados mais naturais e reforça o nosso discurso diário: sua atitude sobre si mesma fala muito sobre como as pessoas te enxergam!
As últimas cenas deste filme da Netflix fecham um círculo para Violet, ela se liberta das correntes que a aprisionam vivendo uma situação muito parecida com aquela que viveu durante sua infância e quem passou pela transição certamente relembrará aquele momento em que se sentiu livre pra andar na chuva, mergulhar no mar e lavar o cabelo quando bem quiser.
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Concomitantemente a tudo isso, ver a evolução da personagem em cenas leves e delicadas, situações cômicas e reflexões sobre padrões que enfrentamos todos os dias feitas de forma tão sutil e terna, faz do filme uma ótima escolha à qual podemos recorrer sem medo, pra ter uma daquelas sessões pipoca e brigadeiro deliciosas com as amigas.
Não queremos finalizar essa discussão aqui... O debate continuar: Quem aqui viu o filme? O que acharam da história? Agora é hora da crítica de vocês, use o espaço dos comentários abaixo e solte o verbo nas redes socias do Cabeleira em Pé e do Diário de Mille, tem alguma #GarotaDoDiario aí?
Não podemos deixar de agradecer à Mille pelo olhar doce e apurado - foram as discussões com ela que possibilitaram a construção conjunta deste material. Gratidão!
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